UNAMA | Ser Educacional Unama
22 Outubro
Belém
Entenda sobre as Arboviroses
Por Eliane Leite

As arboviroses são constituídas por um grupo de doenças virais, as quais são causadas por vírus conhecidos como arbovírus (Arthropod-borne vírus), que integram cinco famílias: Bunyaviridae, Togaviridae, Flaviviridae, Reoviridae e Rhabdoviridae2. Infecções por arbovírus se tornaram um problema de saúde pública no mundo, principalmente nos trópicos, já que aproximadamente 150 espécies de arbovírus podem causar algum tipo de patologia em humanos. O fato de determinada parte de seu ciclo de replicação ocorrer em insetos, além de possuírem como vetores os artrópodes, usualmente fêmeas de mosquitos hematófagos, é o que determina sua nomenclatura como arbovírus1,5.

Algumas circunstâncias como o aumento de migrações populacionais, a globalização e mudanças no clima, envolvendo o aquecimento global, propiciam a emergência ou reemergência de arboviroses. Países tropicais como o Brasil oferecem meios para a propagação de arboviroses, principalmente por conta do clima, o qual favorece o desenvolvimento de vetores e influi na incubação extrínseca destes vírus. Além disso, outros fatores como a urbanização desordenada, desmatamentos e baixas condições sanitárias, permitem maior disseminação dos arbovírus nestes ambientes1,3. A presença de um vetor versátil, que possa propagar os vírus em diferentes meios, tanto urbanos quanto rurais, além da alta adaptabilidade dos arbovírus, por apresentarem seu genoma em RNA, facilita a instalação destes vírus em um novo território2.

Os vírus da Dengue (DENV), Zika (ZIKV ou ZIKA) e Chikungunya (CHIK ou CHIKV) estão incluídos entre os arbovírus mais disseminados no Brasil. Isto se dá principalmente pelo fato de possuírem vetores comuns: fêmeas de mosquitos Aedes spp., principalmente as espécies Ae. aegypti e Ae. albopictus2,5. Com a chegada dos europeus às Américas, em meados do século 16, acredita-se que o Ae. aegypti tenha sido introduzido no Brasil, resultando em diversos surtos de DENV no passar dos anos. Durante os anos de 1940 e 1950, o Brasil e alguns outros países das Américas desenvolveram um programa de combate ao Ae. aegypti, que teve excelentes resultados, culminando na completa erradicação deste vetor do país10. Todavia, por volta da década de 70, o cenário brasileiro, foi propenso à formação de criadouros para vetores, por conta do acelerado processo industrial que ocorreu cerca de 20 anos antes. Esta situação foi benéfica ao Ae. aegypti, que pode se reinstalar no país, ao elevar a quantidade de mosquitos adultos circulantes. Já o Ae. albopictus, se instalou no Brasil mais recentemente, cerca de três décadas atrás, e juntamente com o Ae. aegypti, hoje, são os vetores mais propensos a disseminar essas arboviroses (DENV/ZIKV/CHIKV) no país1,3,4,10.

Para que a transmissão vetorial aconteça, entretanto, é preciso que ocorra a chamada competência vetorial, onde aparentemente ocorrem interações entre o genótipo do vírus, e o genótipo do mosquito4. Como já discutido anteriormente, pelo fato dos arbovírus apresentarem grande adaptabilidade em seu material genético, a competência vetorial entre DEN, ZIK e CHIK e o mosquito Aedes spp., principalmente o Ae. aegypti e o Ae. albopictus tornam-se claramente possíveis2,3.

Dengue

Pertencente à família Flaviviridae, gênero Flavivírus, o DENV pode ser considerado como o arbovírus de mais rápida emergência no planeta, tendo suas características epidemiológicas, clínicas e biológicas, portanto, bem descritas2,6. Possui fita simples positiva de RNA, e apresenta 5 sorotipos (DENV-1, DENV-2, DENV-3, DENV-4, e DENV-5), sendo o sorotipo 2 considerado o mais virulento. O último sorotipo (DENV-5) foi descrito recentemente, em outubro de 2013, em Sarawak, Malásia7,9.

Em 1779 e 1780, na Ásia, África e América do Norte, houveram relatos coerentes de epidemias causadas por DENV. Além disso durante os anos de 1939 a 1945, período que ocorreu a 2ª Guerra Mundial, o DENV e seus diferentes sorotipos foram disseminados para diferentes ambientes, por conta dos distúrbios ecológicos. No Brasil, o provável primeiro grande surto pelo DENV data 1846, no Rio de Janeiro1,7. Epidemiologicamente, o DENV é considerado endêmico em mais de 110 países, os quais se localizam principalmente em regiões tropicais de continentes como Ásia e Américas, sendo bem distribuído ao longo da faixa equatorial. O número de casos totais de dengue é aproximadamente 101 milhões por ano, podendo levar a quantidade de óbitos anuais para mais de 20 mil1,6,7.

O DENV apresenta quadro clinico variável e pode ser grave, caso evolua. Basicamente, o curso da doença, após o período de incubação, se constrói em três fases: a fase febril, onde quase todos os sinais e sintomas são inespecíficos, principalmente a febre, dores de cabeça, erupções cutâneas e mialgias; a fase crítica, onde o comprometimento clínico pode ser fatal, em grande parte pela presença de trombocitopenia e aumento da permeabilidade vascular, o que normalmente leva a hemorragias severas; e a fase de recuperação, que corresponde à melhora clínica do paciente, com a reabsorção de fluidos. A fase crítica da doença, mesmo representando apenas 5% de todos os casos de dengue, pode ser causa de óbito e por conta disso precisa de acompanhamento, principalmente em crianças, jovens adultos e pacientes propensos a complicações vasculares6,14

 

Zika

O ZIKV foi isolado pela primeira vez em um macaco do gênero Rhesus, enquanto se realizava uma pesquisa acerca da febre amarela (YFV), numa floresta na Uganda em 1947, chamada Zika, o qual nomeou o vírus. Seu primeiro isolamento no gênero homo sapiens também ocorreu na Uganda em 1952, onde até então não se havia nenhuma notificação da infecção em humanos8,13.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a distribuição do ZIKV, até maio de 2016 envolvia Filipinas, diversas ilhas da Micronésia, Melanésia e Polinésia, praticamente toda a América do Sul, com exceção de Chile e Uruguai, se estendendo até o México na América do Norte e o Cabo Verde, no Oceano Atlântico16. Destacam-se na literatura três importantes epidemias de ZIKV: nas Ilhas Yap, Micronésia, em 2007, sendo notificados apenas 49 casos; na Polinésia Francesa, em 2013, onde foram confirmados laboratorialmente, mais de 400 casos8,14; e finalmente, a terceira epidemia de ZIKV ocorreu na América do Sul, em 2015, afetando principalmente o Brasil, e apresentou mais de 1,5 milhões de casos confirmados15.

Assim como o DENV, o ZIKV é um arbovírus do gênero Flavivírus, da família Flaviviridae. Por conta disso, a sintomatologia do ZIKV se assemelha bastante com o DENV, porém com caráter mais brando11,12. Apenas 20% dos casos de Zika são sintomáticos e são raras as situações na qual um paciente com ZIKV necessite atendimento hospitalar. Seu quadro clinico inicial e inespecífico envolve febre, erupções cutâneas, dores de cabeça e mialgias. Além disso, pode haver conjuntivite não-purulenta, o que pode caracterizar o ZIKV6,8. Foi oficialmente declarado, pela OMS, em 1º de fevereiro de 2016, que o ZIKV poderia causar microcefalia, Síndrome de Guillain-Barré (SGB) e outras complicações neurológicas, o que justificaria o grande número de casos de microcefalia no Brasil, durante a epidemia de 2015. Pouco tempo depois, em 13 de abril de 2016, o Centro de Controle de Doenças e Prevenção (CDC) confirmou este pressuposto, permitindo pela primeira vez, uma correlação entre uma arbovirose e uma malformação congênita grave16.

 

Chikungunya

Mesmo sendo um Alphavírus da família Togaviridae, o CHIKV apresenta sintomatologia semelhante ao DENV e ZIKV, porém com algumas características específicas relevantes. O arbovírus em questão foi isolado em meio a uma epidemia que ocorria na Tanzânia e Moçambique, no ano de 1953. A nomenclatura do CHIKV foi designada de acordo com o idioma Makonde e faz referência a um aspecto clássico da sintomatologia da febre Chikungunya: um quadro de poliartralgias intensas (Chikungunya = “aquele que se prostra” ou “aquele que se dobra”, segundo o idioma Makonde)3,6. Em 2005, no Arquipélago de Comores, costa oriental da África, um importante surto de CHIKV foi descrito, por representar um deslocamento do vírus dos interiores da África e Ásia, para a região sudoeste do Oceano Índico. Após este surto, no mesmo ano, diversos outros focos de epidemias de CHIKV puderam ser notificados, principalmente na Índia, com mais de 1,3 milhões de casos18,20. Nos anos seguintes, o CHIKV se disseminou, provavelmente por viajantes infectados, para diversas outras regiões como Itália e França. Foi documentado, em 2013, o primeiro caso de CHIKV nas Américas, mais precisamente no Caribe, e em 2014, no estado do Amapá, houve a primeira infecção autóctone no Brasil, sendo seguido por um surto na Bahia. Até 2015 o CHIKV já havia se espalhado para cerca de 44 países das Américas6,17,20.

O quadro clínico inicial do CHIVK apresenta febre (por volta de 38°), erupções cutâneas e pode haver conjuntivite branda. Entretanto, esta sintomatologia é bastante semelhante à de DENV e ZIKV, sendo, portanto, inespecífica. Uma característica clinica bem presente na infecção por CHIKV, é um quadro de poliartralgias intensas, que pode ser agudo ou crônico, debilitando o indivíduo por semanas a meses6,8. Além disso, em pacientes de maior idade, o quadro de artralgia pode ser grave, podendo trazer comprometimentos ao tratamento de suporte. Outro sinal clínico que pode caracterizar a febre por CHIKV, é uma vermelhidão nas orelhas, durante a infecção aguda, podendo ser um pequeno diferencial da infecção por DENV e ZIKV17,18,19.

 

Referências:

1- LOPES, Nayara; NOZAWA, Carlos; LINHARES, Rosa Elisa Carvalho. Características gerais e epidemiologia dos arbovírus emergentes no Brasil. Revista Pan-Amazônica de Saúde, v. 5, n. 3, p. 55-64, 2014.

2- DONALISIO, Maria Rita; FREITAS, André Ricardo Ribas; ZUBEN, Andrea Paula Bruno Von. Arboviroses emergentes no Brasil: desafios para a clínica e implicações para a saúde pública. Rev. Saúde Pública, v. 51, p. -, 2017.

3- LIMA-CAMARA, Tamara Nunes. Arboviroses emergentes e novos desafios para a saúde pública no Brasil. Rev. Saúde Pública, v. 50, p. 00-00, 2016.

4- MANIERO, Viviane C. et al. Dengue, chikungunya e zika vírus no brasil: situação epidemiológica, aspectos clínicos e medidas preventivas. Almanaque Multidisciplinar de Pesquisa, v. 1, n. 1, 2016.

5 - PAPLOSKI, Igor Adolfo Dexheimer et al. Storm drains as larval development and adult resting sites for Aedes aegypti and Aedes albopictus in Salvador, Brazil. Parasites & vectors, v. 9, n. 1, p. 419, 2016.

6 - PATTERSON, Jessica; SAMMON, Maura; GARG, Manish. Dengue, Zika and chikungunya: emerging arboviruses in the new world. Western Journal of Emergency Medicine, v. 17, n. 6, p. 671, 2016.

7 – HEILMAN, James M. et al. Dengue fever: a Wikipedia clinical review. Open medicine, v. 8, n. 4, p. e105, 2014.

8 -  JUNIOR, Vitor Laerte Pinto et al. Zika virus: a review to clinicians. Acta medica portuguesa, v. 28, n. 6, p. 760-765, 2015.

9 - MUSTAFA, M. S. et al. Discovery of fifth serotype of dengue virus (DENV-5): A new public health dilemma in dengue control. Medical Journal Armed Forces India, v. 71, n. 1, p. 67-70, 2015.

10 - KOTSAKIOZI, Panayiota et al. Tracking the return of Aedes aegypti to Brazil, the major vector of the dengue, chikungunya and Zika viruses. PLoS neglected tropical diseases, v. 11, n. 7, p. e0005653, 2017.

11 - ABUSHOUK, Abdelrahman Ibrahim; NEGIDA, Ahmed; AHMED, Hussien. An updated review of Zika virus. Journal of Clinical Virology, v. 84, p. 53-58, 2016.

12 - ENFISSI, Antoine et al. Zika virus genome from the Americas. The Lancet, v. 387, n. 10015, p. 227-228, 2016.

13 - FAYE, Oumar et al. Molecular evolution of Zika virus during its emergence in the 20th century. PLoS neglected tropical diseases, v. 8, n. 1, p. e2636, 2014.

14 - CAO-LORMEAU, Van-Mai; MUSSO, Didier. Emerging arboviruses in the Pacific. The Lancet, v. 384, n. 9954, p. 1571-1572, 2014.

15 - MINISTÉRIO DA SAÚDE (BR), SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE. Vírus Zika no Brasil: a resposta do SUS. 2017.

16 – McNeil DG. Zika: a epidemia emergente. 1st ed. São Paulo: Planeta; 2016. 223 p.

17 - YACTAYO, Sergio et al. Epidemiology of Chikungunya in the Americas. The Journal of infectious diseases, v. 214, n. suppl_5, p. S441-S445, 2016.

18 - MORRISON, Thomas E. Re-emergence of chikungunya virus. Journal of virology, p. JVI. 01432-14, 2014.

19 - ROUGERON, Virginie et al. Chikungunya, a paradigm of neglected tropical disease that emerged to be a new health global risk. Journal of clinical Virology, v. 64, p. 144-152, 2015.

20 - AZEVEDO, Raimunda do Socorro da Silva; OLIVEIRA, Consuelo Silva; VASCONCELOS, Pedro Fernando da Costa. Chikungunya risk for Brazil. Revista de saude publica, v. 49, p. 58, 2015.

21 – TANG, Kin Fai; OOI, Eng Eong. Diagnosis of dengue: an update. Expert review of anti-infective therapy, v. 10, n. 8, p. 895-907, 2012.

22 – SIMMONS, Cameron P. et al. Recent advances in dengue pathogenesis and clinical management. Vaccine, v. 33, n. 50, p. 7061-7068, 2015.

23 – MUSSO, Didier; GUBLER, Duane J. Zika virus. Clinical microbiology reviews, v. 29, n. 3, p. 487-524, 2016.

24 – SHAN, Chao et al. Zika virus: diagnosis, therapeutics, and vaccine. ACS infectious diseases, v. 2, n. 3, p. 170-172, 2016.

25 – PETERSEN, Lyle R. et al. Zika virus. New England Journal of Medicine, v. 374, n. 16, p. 1552-1563, 2016.

26 – OKABAYASHI, Tamaki et al. Detection of chikungunya virus antigen by a novel rapid immunochromatographic test. Journal of clinical microbiology, v. 53, n. 2, p. 382-388, 2015.

27 - PRINCE, Harry E. et al. Chikungunya virus RNA and antibody testing at a National Reference Laboratory since the emergence of chikungunya virus in the Americas. Clinical and Vaccine Immunology, v. 22, n. 3, p. 291-297, 2015.

28 - MARDEKIAN, Stacey K.; ROBERTS, Amity L. Diagnostic options and challenges for dengue and chikungunya viruses. BioMed research international, v. 2015, 2015.